quarta-feira, 28 de março de 2007

Maragato Louco

Maragato Louco é um dos poemas mais prestigiados e declamados de José Hilário Retamozo. Dono de uma personalidade forte e sensível, o poeta amava o pampa onde nascera, São Borja - "A Grande Metrópole" - com a intensidade com a qual uma criança gaúcha curte sua primeira cuia, ou com o mesmo amor que dedica ao primeiro lenço colorado. Em sua homenagem, a abertura deste blog dedica-se ao "pobre do Chico", "mais colorado do que boca de sangria".

MARAGATO LOUCO
José Hilário Ajalla Retamozo

"Andava de pago em pago
teimando em querer um lenço,
mas diz que mais colorado
do que boca de sangria.
Assim, o pobre do Chico
bebia por seu capricho,
louqueando a falar sozinho.

Aos domingos, no bolicho,
a uma ponta do balcão,
olhava a todos com olhos
de quem vê, não a figura,
porém alma e coração.
Os olhos vendo mais longe,
nas distâncias encardidas
que a vontade por desejo
faz a memória gravar.

Às vezes o pobre Chico
louqueava que era o chefete
de grande revolução.
Uma tala de coqueiro
fazia às vezes de espada
e ele imitava arrancadas
e cargas e rechaçadas
volteando a espada na mão.

Depois, parava bem quieto,
olhar surrado e aflito
a mão nervosa estendida
fazendo gestos no ar.
Rompia então em soluços
e gritos desesperados:
- "E o lenço dos colorados?
E o lenço dos colorados?
Eu quero um lenço pra mim,
que é pra levá-lo ao pescoço
quando chegar o meu fim!"

Mas ninguém ligava ao Chico
nem seus pedidos ouvia.
Assim, o pobre vivia
cercado por todo mundo,
mas dentro dele solito,
pois que seu mundo era o sonho
de ter um lenço encarnado
que nem boca de sangria.

Uma feita... era domingo,
havia grande carreira
- gaúchos de toda parte
e chinas do vizindário.
E no meio dessa gente
veio até um "mala-cabeza"
- castelhano calavera
fugido de comissário.

Parou na ponta da cancha
meio solito o paisano,
pois pra quem anda fugido
até um olhar distraído
parece perseguição.
Estava pronto pra tudo
- o pingo preso das rédeas
e a faca junto da mão.

O pobre do Chico louco
andava de ponta a ponta,
pedindo a todos que via
o sonho de seus desejos,
que era um lenço colorado
que nem boca de sangria.

O pobre do Chico pedia,
mas ninguém sabia dar.
Foi chegando para o lado
donde estava o castelhano.
Chegou, bateu-lhe nas costas
e ao querer pedir o lenço,
a faca do castelhano cortou-lhe
a voz e a garganta
e o Chico rolou no chão.

De costas, olhos vidrados
e a mão direita crispada
sobre o lenço imaginário
que o louco tanto queria.
Até parece mentira
o que nos reserva a sorte:
- O Chico encontrando a morte
teve o lenço que sonhou...
O sangue quando jorrou
do louco assim degolado,
jorrando vermelho e morno,
em seu pescoço o contorno
riscou, de um lenço encarnado."